sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Seção IV - Bens móveis e integrados da zona rural de Três Marias

Reunimos neste grupo 11 bens culturais inventariados nas categorias: bem móvel,  bem integrado e outros. Todos estes bens estão diretamente ligados ao cotidiano de vida e de trabalho nos sertões mineiros e tendem a se tornar cada vez mais raros à medida que novos hábitos e modos de vida estão se consolidando da zona rural de Três Marias.

Longe de representar este cotidiano tradicional do sertão como algo que não mudava ao longo dos anos, estes bens revelam que o sertanejo esteve, ao longo do século XX, conectado com as mudanças tecnológicas que aconteciam no mundo sem perder características importantes de suas tradições. Assim, diversos dos bens aqui apresentados, nos mostram como as populações que habitaram as fazendas e sítios de Três Marias foram capazes de realizar esta síntese entre tradição e evolução tecnológica.

Um exemplo disto foi a possibilidade de identificar, durante as pesquisas do inventário, tanto uma roda de fiar, tão tradicional nos sertões mineiros onde o algodão era amplamente plantado, quanto uma máquina de costura da marca Singer que se mostrava algo evoluído para o contexto regional de meados do século XX.

A saber, esta roda de fiar foi inventariada em 2010, na sede da Fazenda Forquilha, quando o objeto já se encontrava em desuso a mais de 30 anos e era preservado pelo seu responsável, seu João Pereira, como uma forma de rememoração de uma forma de se viver “de antigamente” que é bem diferente da atual.

A máquina de costura, por sua vez, foi inventariada no ano de 2009 e fazia parte do patrimônio do senhor José das Pedras. Segundo ele, a máquina foi adquirida de “segunda mão” por sua mãe na década de 1930. Ela teria garantindo parte do sustento da família “em  cima” da máquina” e depois do seu falecimento uma neta continuou a trabalhar na máquina até repassá-la para o senhor José das Pedras que a guardava, na época do inventário, com grande apreço pela memória de sua mãe. Além da máquina de costura, seu José das Pedras, em 2009, era o proprietário de outro bem móvel que foi inventariado e que designamos como “Caixotão de guardar roupas (mobiliário). Este bem foi confeccionado por encomenda feita por ele mesmo há aproximadamente 65 anos. Nesta época, sua família não tinha um móvel para guardar as roupas, por isso ele tomou a iniciativa de presentear sua mãe com o caixotão. Utilizado para guardar roupas de 10 pessoas que moravam na sede da fazenda, a madeira do caixotão foi retirada no campo pelo próprio senhor José Rodrigues. A serragem e confecção do móvel foi feita por um carapina de nome Zé Teodoro, também conhecido como Zé Gordinho. O valor pago ao carapina foi de 40 mil réis que corresponderiam, na época, ao preço de duas bezerras. Seu José tem grande apreço por esse móvel que foi indicado por ele como o objeto material mais significativo do acervo que compunha sua fazenda. Vale indicar que, poucos anos antes do inventário, seu José das Pedras vendeu a fazenda das Pedras e trouxe o móvel e a máquina de costura para sua nova residência na cidade de Três Marias, ainda assim este bem foi inventariado como pertencente à seção de inventário 4 por ser um importante testemunho histórico da trajetória da família Rodrigues Oliveira que viveu décadas na zona rural de Três Marias.

O grupo é composto ainda por outro antigo caixotão que provavelmente figura como um dos bens móveis antigos do IPAC. Identificado como “Caixa de enxoval”, esta arca fazia parte do mobiliário de uma antiga fazenda chefiada por Eusébio Rodrigues no vale do Ribeirão do Boi e foi trazida para a fazenda Bom Retiro, onde foi inventariada, como um presente de casamento dado a filha de Eusébio, Genuína Rodrigues. Ela se casou pela primeira vez em 1910 com João Pedroso e sua caixa de enxoval é preservada até a atualidade como um importante símbolo da história familiar.

Além dos bens móveis apresentados, dois outros bens foram inventariados: uma mesa e um carro de boi.

A mesa foi identificada na Fazenda Carapiá e  figura como outro bem que mostra a diversidades de referências que compõe o mobiliário encontrado durante o inventário. Não se sabe ainda a data precisa de confecção desta mesa, mas as pesquisas de inventário apontam que esta foi comprada por volta do ano de 1963, por Durval Alexandre de Oliveira de Chico Alexandre, irmão de Durval, que morava em uma Fazenda localizada próxima ao distrito sede de Três Marias. Distante da rusticidade encontrada nos outros bens, a mesa também é preservada como um importante objeto de memória para família Oliveira.

Já, o “Carro de boi da Fazenda Cabeceira das Pedras” nos faz voltar à vida rústica do sertão de Três Marias para conhecer o que foi considerado durante a pesquisa como uma “raridade” para o seu proprietário, seu Geovaldino. Segundo ele, sua característica especial estaria na forma como o carro foi ferrado, o que possibilitava que ele tivesse um canto muito bonito e representar o trabalho tradicional na roça.

Os bens integrados inventariados seguem a mesma linha rústica e tradicional do carro de boi, sendo eles um jirau de pedra e um engenho. O Jirau foi identificado na fazenda Ribeirão do Boi e sua especificidade em relação a outros Jiraus encontrados nos sertões do Brasil é a opção de se utilizar um tampo de pedra ao invés do tradicional estrado de madeira usado neste tipo de equipamento. Segundo os levantamentos da época, esta opção pode ser considerada como uma inovação técnica.

O Engenho movido a bois foi inventariado como um bem integrado da Fazenda Cabeceira das Pedras e fora empregado no último quartel do século XX na produção de rapadura e açúcar mascavo destinado ao consumo familiar dentro da própria fazenda. Na época do inventário, o equipamento já encontrava-se em desuso a mais de 05 anos, anunciando que a peça se tornara mais uma objeto de memória do que um equipamento de trabalho. Uma curiosidade interessante é que, nos últimos anos de seu funcionamento, este engenho não era movido por tração animal, mas sim por um jerico (trator de pequeno porte) emprestado de um vizinho, o que reduzia sensivelmente o tempo de moagem da cana de açúcar.

Finalmente, chegamos aos três bens inventariados dentro da categoria “outros”.  Todos eles estão relacionados à transformação da energia hidráulica em energia motriz ou elétrica. Designados como “Monjolo da Fazenda Ponte Firme”, “Moinho de pedra da Fazenda das Pedras” e “Alternador de energia elétrica da Fazenda das Pedras”, estes bens dependem da abundância de águas correntes existentes das fazendas onde foram implantados para funcionar, sendo que dois deles (o monjolo e o moinho) tinha a função de processar grãos produzidos em âmbito local e um (alternador) servia basicamente para gerar luz para a fazenda das Pedras. Apesar de parecerem bens muito antigos, durante o inventário, foi identificado que eles remetem a um passado muito mais próximo do que se costuma imaginar. Uma evidência disto é que o Monjolo havia sido instalado somente dois anos antes da realização do inventário na Fazenda Ponte Firme, evidenciado um caso raro onde os equipamentos rústicos e tradicionais do sertão mostram-se atuais e em uso.












quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Seção IV - Bens culturais imateriais da zona rural de Três Marias

Ao longo da realização do IPAC, a equipe responsável pelo setor de patrimônio da Prefeitura de Três Marias foi percebendo a importância de inventariar os bens culturais imateriais existentes no município. Esta percepção, no entanto, somente ganhou corpo nos dois últimos anos de realização do cronograma do inventário, quando os trabalhos já estavam adiantados e restava somente a seção 4 para ser inventariada.

Por este motivo, teremos fichas de bens imateriais somente nesta seção que representa a vida rural do município de Três Marias. Sobre esta área de inventário, as pesquisas apontam que historicamente a economia regional foi pautada pela pecuária de corte e pela agricultura de subsistência. Composta majoritariamente por grandes fazendas, a imigração rural que aconteceu em todo o Brasil em meados do século XX foi ainda mais forte na região que contou com os adventos da construção da Barragem de Três Marias, da rodovia BR 040 e da expansão da monocultura do eucalipto.

Neste sentido, os bens culturais imateriais mostram o retrato de uma região que perdeu muitas de suas tradições e de sua própria população. Ainda assim, foi possível identificar um patrimônio imaterial bastante significativo sendo produzidas nove fichas de inventário. Entre estes bens inventariados, cinco foram identificados como “modos de fazer”, dois como “celebrações”, um como “manifestação cultural” e um na categoria de “outros”.

Os bens inventariados como “modos de fazer” revelam um mundo rural que buscava autonomia através de uma produção policultural, na qual os fazendeiros, sitiantes e agregados produziam uma variedade grande de alimentos e artefatos de uso doméstico para suprir seu próprio consumo. Tratando das produções de farinha de mandioca, polvilho, rapadura, cestarias de taquara e bambu, do crochê e do bordado, as fichas projetam importantes pessoas que mantiveram a cultura tradicional popular viva nas últimas décadas, tais como: Dona Nilza (região do Ribeirão do Boi/Extrema), Dona Maria Helena (povoado de Cabeceira das Pedras), seu Valdé (região do Ribeirão do Boi/Extrema), seu Antônio Macedo (Povoado das Pedras), entre outros.

As fichas relativas às “celebrações” identificaram o tradicional “Terço de São Sebastião” realizado na Fazendo do Lajeado como um bem de grande destaque e em plena efervescência. 

Iniciada a partir de uma promessa feita a seis décadas, esta celebração pode ser vista como uma das mais importantes tradições da zona rural de Três Marias, atraindo dezenas de pessoas todos os anos no mês de janeiro.

Também inventariada como celebração, o bem designado como “Festa de Noivado” era uma importante festividade que marcava o encontro e a celebração ritualística da formação de famílias sertanejas da região. 

Esta celebração não é mais praticada e para ser descrita foi necessário coletar diversos depoimentos que evidenciaram que a “Festa de Noivado” não era uma festividade uniforme, ou melhor, que ela poderia sofrer modificações de acordo com o hábito de cada família.

Passemos agora para a manifestação cultural que ficou conhecida como “mutirão de capina de roça”. Este bem pode ser considerado como uma expressão significativa da solidariedade existente entre os povos sertanejos que se uniam para vencer as dificuldades impostas pelos entraves naturais. Vale indicar que, muitas das vezes, esses mutirões eram acompanhados de festas, cantos e outras expressões culturais que conferiam ao encontro de trabalhadores um caráter ritualístico.

Durante o inventário, ficou evidente que os antigos moradores da região se lembram da tradição de mutirões de capina nas roças de milho que eram organizados, geralmente, no período das chuvas (novembro a fevereiro), por lavradores que trocavam entre si dias de trabalho formando grupos de dezenas de lavradores que faziam rodízio pelas roças da região.

Estes mutirões começavam por volta de 6:30 da manhã com um café reforçado que era oferecido pelo dono da roça. Às 9:30, a turma parava para almoçar, geralmente com um cardápio formado por arroz, feijão, abóbora e frango, que eram trazidos em uma grande gamela e servidos pelos próprios trabalhadores em pratos ou cuias. Ao meio-dia, a turma parava mais uma vez para um café com biscoito e, às 14:00, era servida a "janta", com cardápio similar ao do almoço. O dia de trabalho terminava quando acabava o sol ou se o grupo terminava seu serviço. A cachaça também era oferecida pelo roceiro à turma de trabalhadores. Em dias considerados especiais, o dono da roça fazia uma festa para a turma de lavradores. Essa festa era precedida pelo ritual de retirada de um pé de milho e uma procissão que seguia da roça até a casa cantando cantigas tradicionais. A festa era aberta a todos, homens e mulheres, entravam pela noite adentro. Geralmente, as casas eram enfeitadas para receber os trabalhadores, sendo comum o enfeite de árvores ou arbustos com biscoitos. Atualmente, estes mutirões não são mais praticados nas roças da região, se tornando uma tradição que merece ser pesquisada e difundida para as novas gerações através dos trabalhos desenvolvidos para a preservação do patrimônio cultural.

O último bem inserido na categoria de patrimônio imaterial refere-se à trajetória de vida e aos saberes da senhora Zenaide Barbosa. Na realidade, durante o inventário, foi identificado que Dona Zenaide era uma espécie de guardiã de diversos saberes e fazeres tradicionais que optou-se por desenvolver uma ficha específica para ela. Nascida em 1932, nas margens do Ribeirão do Boi, Dona Zenaide perdeu muito cedo a sua mãe e viveu a maior parte do tempo como agregada da família de Seu Apulcro Tameirão, na Fazenda do Salto do Ribeirão do Boi. Além de ser uma testemunha da história local com ótima habilidade para lembrar e contar fatos do passado, Dona Zenaide aprendeu diversos saberes e fazeres que faziam dela uma sertaneja muito especial, daquelas que, hoje, encontramos poucas no sertão. Entre estes saberes, identificamos os seguintes: produção de diversos tipos de queijos, temperos, incluído o processamento do açafrão e dos corantes; produção de diversos tipos de comidas caseiras (linguiça, galinha, carne de lata, outros), de de farinha de milho e de mandioca; produção de rapadura; extração e utilização da tabatinga para diversos fins; feitura de panelinhas de barro; confecção de peneiras de taquara e balaios; amarração de vassouras artesanais; produção de quitandas diversas (biscoitos, cuba, mondongo, outros);produção de sabão de quadra; costura e colchas de retalho; produção de chás e remédios naturais; produzir réstias de alho e cebola, plantio e cuidado de hortas e galinheiro.

Falecida em 2014, finalizamos este inventário rendendo homenagem a Dona Zenaide que representou de maneira bastante completa a força e sabedoria das mulheres sertanejas de Três Marias.










quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Medidas de Proteção e salvaguarda dos bens culturais inventariados


Nos próximos anos, as ações do inventário seguirão para o processo de atualização das fichas. Ao longo deste trabalho, será realizada uma análise do estado de conservação de cada bem cultural inventariado e, caso seja necessário, serão sugeridas medidas específicas de proteção e salvaguarda de cada bem inventariado.

Tomando como referência a deliberação do IEPHA-MG, apresentamos as seguintes medidas possíveis de proteção e salvaguarda:

- Produção de conhecimento (pesquisas espontâneas, acadêmicas e de registro audiovisual)
- Registro documental histórico e preservação de acervos documentais;
- Indicação de inventários temáticos ou regionais;
- Planejamento municipal;
- Institutos tributários e financeiros, tais como imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana – IPTU, contribuição de       melhoria, incentivos e benefícios fiscais e financeiros;
- Ações de conservação física, restauração e qualificação urbana;
- Medidas de mitigação de processos de esvaziamento;
- Adequação a novos usos;
- Registro de Patrimônio Imaterial e Planos de Salvaguarda;
- Desenvolvimento de ações de promoção e educação patrimonial
- Outros.

A definição destas medidas deverá ser feita anualmente, seguindo o cronograma de atualização das fichas, sendo que cada bem atualizado deverá ser analisado individualmente pela equipe técnica que deverá emitir um breve parecer que deverá pautar reuniões do Conselho Municipal de Patrimônio Cultural convocadas especialmente para debater estes medidas.



Devemos ressaltar que este processo buscará ser feito através de um diálogo permanente entre os gestores municipais do setor de patrimônio cultural, os conselheiros municipais de patrimônio cultural e os responsáveis pelos bens culturais e que o fim último de todos os trabalhos é a preservação e promoção do patrimônio cultural de Três Marias.

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Ficha Técnica

Prefeito Municipal de Três Marias
Vicente de Paulo Resende

Secretária Municipal de Desenvolvimento Econômico, Esporte, Turismo e Cultura
Maria Amélia Barbosa Martins

Equipe da Divisão de Cultura

Maria Amélia Barbosa Martins – Pedagoga                     
Função: Chefe Interina da Divisão de Cultura

Luís Gustavo Silveira de Ornellas – Ensino Médio          
Função: Agente de Cultura / Produção, planejamento e realização do IPAC

Maria Claudimira G. de A. Rodrigues – Licenciada em História
Função: Agente de Administração e Presidente do Conselho Municipal de Patrimônio Cultural  / Produção, planejamento e realização do IPAC

Consultoria técnica do IPAC
Casa do Elefante – Memória, artes e turismo
Bruno de Araújo Mendes – Historiador

Revisão: Claudimira Rodrigues e Luís Gustavo Ornellas


Conselheiros do Patrimônio Cultural de Três Marias (Biênio  2013 – 2015)

Adélia Valadares Castelo Branco
Adriana Aragão Nogueira
André Carlini dos Santos Neves
Antônia Genuína de Oliveira
Cacilene Teles Menezes Dayrell Lucas
Deuzane Campos Costa
Elane Aparecida Xavier Ribeiro
Fabrícia Paula Duarte
Fátima Elisa da Silva
José Carlos de Melo
Leonardo Álvares de Melo
Luciene Aída Cotta Cirino
Manoel Geraldo A. N. Borges A. Oliveira
Maria Amélia Barbosa Martins
Maria Claudimira Gonçalves de Araújo Rodrigues
Nádia Maria Viana
Rafael Gustavo de Moura Nascimento
Sabrina Nascimento Faria
Sebastião Albino Miguel
Wanderson de Almeida Costa

Agradecimentos especiais ao grupo Memória Viva e aos responsáveis pelos bens culturais.

Referências

Documentos que serviram de base para elaboração desta publicação:

Prefeitura Municipal de Três Marias. Caderno de Inventário dos Bens Culturais do Distrito de Andrequicé.  Três Marias.2004.

Prefeitura Municipal de Três Marias. Caderno de Inventário dos Bens Culturais do Distrito de Sede.  Três Marias.2006.

Prefeitura Municipal de Três Marias. Caderno de Inventário dos Bens Culturais do Distrito da seção III.  Três Marias.2007.

Prefeitura Municipal de Três Marias. Caderno de Inventário dos Bens Culturais da seção IV (Sítios Naturais).  Três Marias.2009.

Prefeitura Municipal de Três Marias. Caderno de Inventário dos Bens Culturais da seção IV(Região de Extrema e Ribeirão do Boi).  Três Marias.2010.

Prefeitura Municipal de Três Marias. Caderno de Inventário dos Bens Culturais da seção IV (Região do São Francisco, Espírito Santo e Guará).  Três Marias. 2011

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