terça-feira, 28 de outubro de 2014

Seção IV – Sedes de fazendas da zona rural de Três Marias

O grupo que  se segue trata especificamente de 18  bens imóveis de uso residencial que foram inventariados nas regiões abrangidas pelo Ribeirão do Boi, Extrema, Rio São Francisco, Espírito do Santo e Guará. Entre os imóveis inventariados, obtivemos autorização para divulgar as 18 edificações identificadas nas fichas sínteses.
Cada uma destas antigas residências nos revela diferentes aspectos sociais, econômicos e rurais da história local e regional. Agrupadas, elas indicam que desde o século XVIII até o século XX houve um espécie de vazio demográfico na região. Ou seja, a região era dominada propriedade muito grande ocupada por poucos habitantes. Pertencentes ao enorme território que compreendia o antigo distrito de Andrequicé até 1962, toda esta região era conhecida pelos sertanejos como os “gerais”; um ambiente despovoado, de difícil acesso e com terras consideradas ruins para a agricultura.
Neste sentido, as pesquisas realizadas para produção do inventário mostraram que a pecuária extensiva e o comércio de gado predominaram como os pilares das atividades econômicas desde o século XVIII até meados do século XX. Apesar disto, a diversidade produtiva das fazendas da região não deve ser ignorada, uma vez que a agricultura de subsistência ditou boa parte dos saberes tradicionais que foram identificados durante as pesquisas.

Um exemplo disto é a sede da Fazenda Mangaba que ganhou notoriedade por ter sido o local onde nasceu Carlos Alberto Ribeiro, que se tornaria o famoso sanfoneiro “Mangabinha”, membro do Trio Parada Dura. Conta-se que tanto o apelido do sanfoneiro quanto o nome da fazenda são provenientes de seu avó João Mangaba, conhecido na região por trabalhar com a retirada e processamento do leite de mangabeira para a produção de borracha. Documentos encontrados durante a realização das pesquisas reforçam esta informação indicando que, no início do século XX, a produção de mangaba era a maior riqueza natural da região.

No entanto, o saber relacionado à produção da borracha de mangaba, assim como as próprias mangabeiras, se tornaram cada vez mais raras com o avançar do século XX. Podemos inclusive afirmar que diversos outros saberes e fazeres tradicionais que faziam parte do cotidiano e da identidade cultural da população local até a década de 60 foram empurrados para o esquecimento a partir da construção da Barragem de Três Marias no Rio São Francisco, da implantação da rodovia BR- 040 e do desenvolvimento de um impactante processo de alteração da estrutura fundiária, dos modelos de produção agropecuária e de expansão da monocultura do eucalipto.

Este processo, no entanto, deixou preservado diversos vestígios do passado, sendo que boa parte deles é representado pelas antigas sedes de fazendas que foram inventariadas na seção IV. Entre as dezoito sedes de fazenda que constam da lista abaixo, todos possuem apenas um pavimento e a maior parte preserva sua estrutura original de madeira. Muitas já sofreram intervenções, sendo que na maior parte delas não foi possível identificar a época exata de sua construção.

Algumas delas apresentam a peculiar característica de terem sido construídas a partir de estruturas de madeira provenientes de outras fazendas, ou seja, são bens arquitetônicos que foram desmontados e reconstruídos nos locais onde foram feitos os inventários. Estes são os casos das Fazendas Jaguatirica, Cabeceira do Mato, Cabeceira das Pedras e da antiga Fazenda da Onça. Por outro lado, na Fazenda do Cercado, vê-se o movimento inverso, na qual duas edificações que faziam parte de seu patrimônio foram desmontadas e tiveram seu “madeirame” comercializado para outros locais ainda não identificados.

Esta movimentação de estruturas de madeiras, nos faz questionar até mesmo a pertinência de identificarmos estes bens como “imóveis”, foi em parte motivada pela formação da barragem e inundação de uma enorme área para constituição da represa de Três Marias. No entanto, encontramos entre os casos citados, exemplos de edificações construídas a partir de “madeirames” comercializados bem antes da implantação da represa, o que sugere que este foi um âmbito regional anterior à construção da barragem, mas que ganhou força com o advento da represa.

Ao longo do inventário, identificou-se também que a maior parte das fazendas foram construídas na primeira metade do século XX e que não existe na região nenhuma sede de fazenda anterior ao século XIX. Ainda assim, muitas delas adotam características típicas do estilo colonial que foi preservado por muitos anos nos sertões mineiros.


Duas das fazendas destacam-se por terem relação direta com a trilha literária criada a partir da obra de Guimarães Rosa. A fazenda Santa Catarina é citada no romance “Grande Sertão: Veredas” como local onde morava  Otacília, “moça que dava amor” ao narrador Riobaldo. Já a fazenda da Tolda, também conhecida como  Fazenda São José, teria servido de pouso para o escritor durante sua jornada pelo sertão em 1952.



















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