segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Seção IV - Veredas da zona rural de Três Marias

Ao longo do IPAC foram inventariadas 10 veredas no município de Três Marias, um encontra-se na seção I e já foi apresentada nesta publicação. Passaremos agora para as nove veredas delineadas na seção IV, inventariadas no ano de 2009.

Antes de apresentarmos as imagens de cada uma delas, é importante indicar que as veredas são sítios naturais de enorme interesse ambiental e cultural para os povos sertanejos. Em um período de crise hídrica, as veredas despontam como um ecossistema privilegiado, capaz de “produzir água”. No entanto, para manter esta condição, é preciso que elas estejam cercadas pelos cerrados que preservam sua área de recarga (infiltração). 

O ecossistema das veredas tem presença marcante no vale do São Francisco, onde constitui nascentes de vários afluentes do Rio São Francisco: estima-se que 80% das cabeceiras perenes da margem esquerda deste rio encontram-se nas veredas. Neste sentido, sua importância na formação e manutenção dos recursos hídricos mineiros é incontestável. Além disto, as veredas resguardam inestimável interesse ecológico e paisagístico, sendo essenciais para o entendimento da cultura e do desenvolvimento sócio-ambiental do sertão. 

Mesmo com toda esta importância, as veredas ainda formam um ecossistema pouco conhecido e fragilizado. Na realidade, poucos municípios possuem levantamentos cartográficos de suas veredas, sendo menor ainda o número de Prefeituras que desenvolveu estudos de identificação de sua flora, fauna e dos usos antrópicos que expõe as veredas aos processos destrutivos.

Dada esta realidade, acreditamos que o inventário desenvolvido sobre as veredas em Três Marias é um estudo pioneiro se pensarmos ações de âmbito municipal. Nele, encontramos mapas, fotos e descrições detalhadas das veredas consideradas mais significativas durante o processo de realização do inventário. Entre as nove veredas da seção III, destacaremos três neste texto, mas recomendamos a leitura completa das fichas completas de todas as veredas inventariadas. 

A primeira das veredas que destacaremos é a Vereda Ponte Firme, que apresentou durante as pesquisas a singularidade de estar localizada no caminho percorrido por João Guimarães Rosa, sendo sua passagem molhada pertencente ao antigo caminho das boiadas usado em 1952 pelo escritor. Esta viagem de Guimarães Rosa, sob o lombo de um cavalo, compreende a origem do clássico "Grande Sertão: Veredas" além de ser fonte de inspiração para elaboração de outras obras. A vereda Ponte Firme teve seu destaque reconhecido, ao ser declarada pelo Decreto Municipal n° 1.403 de 2006, como patrimônio natural, cultural e histórico de Três Marias. 

Outra vereda de destaque é a vereda Tolda que se situa no alto curso do córrego Tolda onde o ambiente proporciona o aparecimento de veredas nas áreas rebaixadas de vales suaves. A vereda da Tolda é constituída de quatro “galhos” (braços) principais, estando três destes situados a montante de uma barragem artificial identificada durante o inventário. Assim como a vereda Ponte Firme, a vereda da Tolda apresenta destaque cultural por também estar localizada no caminho percorrido por João Guimarães Rosa, em 1952 e por ter sido protegida. Na época do inventário, o entorno da vereda da Tolda estava dominado pela silvicultura que ocupa as áreas aplainadas acima da cota de 760 metros. 

De modo geral, nas veredas os buritizais ocorrem de forma pontual na paisagem das chapadas, em áreas com encharcamento do solo, geralmente próxima às cabeceiras dos cursos d'água. À medida que a drenagem vai se definindo através da formação de um córrego, a área vai sendo colonizada por espécies arbóreas e apresentando as características de mata ciliar, onde os buritis adultos se misturam às árvores e vão raleando em direção a jusante. Na vereda da Tolda esta sucessão é marcante sendo verificada uma maior quantidade de buritis nas áreas de montante sendo estes substituídos gradualmente por mata ciliar, dominante no ponto de encontro do córrego Tolda com o Rio Espírito Santo.

Conforme informações coletadas junto aos membros da família Teles de Menezes, que habitaram a área da vereda da Tolda por 26 anos, entre as décadas de 1950 e 1970, atualmente “tudo está diferente”. Eles relatam que, no passado, a água era abundante e podia-se pescar e nadar. Estes depoimentos mostraram também que muito era aproveitado da vereda. Casas eram construídas com elementos das veredas, com a palha servindo de caibro e o cipó de ripa, com a casca do buriti se fazia colher, a madeira do buriti virava bancos para assentar, vara de ferrão para tocar gado, rolha para tampar garrafa, bainha de faca para transportar no embornal (bolsa). Da madeira se fazia ainda cavaquinho de buriti com duas cordas de náilon. Cortado ao meio, o tronco, servia de bica d’água para alimentar o monjolo da casa da família na Tolda. Com a “seda do olho” do buriti, película que recobre o broto, se tecia rede, peneira e cesto de neném. A madeira também servia de base para os brinquedos das crianças. Outras plantas que integram o ecossistema ribeirinho da vereda eram então usadas pela família e pelos moradores locais para os mais diversos fins. Da samambaia se fazia xaxim; da vassourinha, vassoura de varrer fogão. A madeira da embaúba servia para fazer jangada por apresentar boa flutuabilidade. Da macela encontrada na beira da vereda se fazia chá para estômago e do capim-trança chá para gripe. O capim-pubo, natural da vereda, era usado para encher colchão por ser muito macio, silencioso e não dar alergia. O saboroso palmito era tirado da cabeça do buriti, sendo que a palmeira pequena dava um palmito amargo. Do tronco do buriti era extraída a seiva  ou o vinho de buriti. A terra escura do entorno da vereda era ideal para o plantio de arroz, mandioca e abóbora d’água. 

Além de todos estes usos antrópicos, pelos relatos coletados em 2009, pode-se dizer que as veredas funcionavam como "corredores faunísticos" entre os ambientes florestais e diferentes ambientes de cerrado. Alguns dos animais citados durante as pesquisas sobre a vereda da Tolda foram: pássaro-preto, sabiá-laranjeira, inhambu, codorna, perdiz, pato selvagem, alma-de-gato, caburé (coruja), corujão de orelha, mãe-da-lua, tucano, arara-azul, pomba trocal (verdadeira), jacu, saracura, ema, perdiz, teiú, jaracuçu e muitas outras cobras, cutia, veado catingueiro, veado campeiro, tamanduá-bandeira, tamanduá-mirim, tatu canastra, lobo-guará, mão-pelada, tatu-peba, tatu-bola, entre outros. Atualmente são comuns apenas algumas espécies de aves e representantes da herpetofauna, sendo rara a ocorrência de mamíferos.

Finalmente, destacaremos a vereda São José que aparece mapeada na carta topográfica de Três Marias com extensão de 4.200 metros. Assim como as outras, também estava no caminho percorrido por João Guimarães Rosa e fora reconhecida como patrimônio cultural através do Decreto Municipal n° 1.403 de 2006, como patrimônio natural, cultural e histórico de Três Marias. Segundo os levantamentos realizados no inventário, esta vereda foi a considerada a mais bonita de todo caminho percorrido por Rosa em 1952.

Este bem cultural tem sua nascente na fazenda Santa Catarina onde se constitui de dois braços principais, ambos contendo o ecossistema de vereda. Em 2009, foi identificada que a Vereda São José era represada para alimentar um pivô central que irrigava o plantio de sementes de milho e feijão. Naquele momento, também foi identificado que, de modo geral, o entorno da vereda na fazenda Santa Catarina estava muito alterado e desmatado. Verificava-se também que o plantio de eucalipto dominava a margem esquerda e os locais mais elevados dos Gerais, onde se encontra a área de recarga da vereda São José. Já, na margem direita, o plantio de milho e feijão irrigado prevalecia.

À jusante da área da fazenda Santa Catarina o leito principal da vereda São José é transposto por um caminho conhecido como “passagem molhada” onde cascalhos e pedras foram colocados para permitir a passagem de carro e uma pinguela foi feita para garantir a passagem a pé. Neste ponto, a vereda São José configura uma vereda típica onde ocorre a dominância de buritis com alturas e portes variáveis denotando a presença de indivíduos de diferentes idades.

Além destas veredas, foram inseridas neste grupo as Veredas: Canindé, Baeta, Minhoca, Pindaíba, Tigre e São Miguel. Como dito, recomendamos a leitura completa das fichas completas de todas veredas inventariadas, pois nela encontramos mapas, fotos e descrições detalhadas de grande interesse para pesquisadores e leigos. 












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