segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Seção I – Bens culturais imóveis do antigo Barreiro Grande

Como visto até aqui, a implantação de grandes empreendimentos industriais e energéticos nas margens do Rio São Francisco implicou em enormes transformações sociais, ambientais e econômicas para região. Uma das mais significativas delas foi o surgimento da cidade de Barreiro Grande, centro urbano que teve rápido crescimento agregando pessoas de diferentes lugares do Brasil e do mundo e que, em 1975, passaria a ser oficialmente conhecido como Três Marias. 

Consolidada como sede municipal em 1963, existem diversas versões que mostram diferentes percepções do início da cidade de Barreiro Grande. Alguns depoimentos levantados durante o inventário indicam que o atual centro de Três Marias foi formado a partir do loteado da antiga Fazenda Barreiro Grande, de propriedade de José Pereira de Freitas, que passou a abrigar os operários da obra, além de aventureiros e pequenos comerciantes. Outros apontam a antiga Fazenda Forquilha como principal referência que antecede a urbanização da localidade. Esta fazenda foi herdada por Edite Pereira de Freitas, esposa do Sr. Joaquim Cândido Gonçalves que teria sido o maior pioneiro no ramo imobiliário local, vendendo lotes para pessoas interessadas em implantar no antigo povoado de Barreiro Grande atividades comerciais. 

Existem ainda aqueles que argumentam que, boa parte dos lotes hoje densamente ocupados da cidade, teria sido vendida ou doada pela Codevasf especialmente após a demolição da Vila Satélite e do acampamento da Cemig.

Mesmo sem definir uma versão única que seja capaz de sintetizar de forma absoluta o processo inicial de formação urbana de Três Marias, podemos indicar que cronologicamente esta trajetória se inicia na segunda metade da década de 1950, com a formação de um povoado que iria receber um movimento intenso de pessoas atraídas pela oferta de trabalho nas grandes obras ou advindas do fluxo migratório criado pela construção da nova capital em Brasília, uma vez que Três Marias se tornou um importante entreposto entre o planalto central e as regiões sudeste e nordeste do país.

Buscando identificar bens culturais que representassem este processo de urbanização, reunimos neste grupo 15 bens imóveis que fazem parte da seção I. Estes bens revelam diferentes aspectos da formação urbana de Três Marias mostrando edificações religiosas, comerciais e residenciais que representam a singeleza da arquitetura inicial da cidade.

A primeira delas é a antiga Igreja Matriz de Nossa Senhora Mãe da Igreja que representava, em parte, o processo de consolidação do Barreiro Grande como principal centro cultural do município. Isso porque, em abril de 1965, quando foi erigida a Paróquia de Nossa Senhora Mãe da Igreja de Barreiro Grande, a sede paroquial era exercida pela Capela de São Pio X, localizada na Vila Satélite. Em outubro deste mesmo ano iniciou-se a construção da igreja matriz que fora finalizada em 1967. Desenhada pelo senhor Edson Gandra, os recursos para a construção da Igreja Matriz de Nossa Senhora Mãe da Igreja foram adquiridos através de doações da comunidade, sob a liderança dos senhores Quintiliano Amaral Balsamão e Sansão Carvalho. Diversas pessoas da comunidade referem-se ao período de construção como um momento de efervescência da vida cultural da cidade. A realização de festas com barraquinhas e campanhas de arrecadação é lembrada com saudosismo por muitos moradores, algo que nos mostra indícios de que a população recém-chegada ao local se unia em torno de projetos comuns e, consequentemente, começava a elaborar uma identidade particular do cidadão trimariense. Inventariada em 2006, o edifício da Matriz foi demolido a poucos anos para dar lugar a uma nova matriz que está em construção.

Em relação aos bens imóveis que tiveram uso oficial no surgimento de Três Marias, o IPAC identificou duas pequenas edificações que abrigaram a Câmara Municipal e a Delegacia ainda na década de 1960. O imóvel designado como Primeira Câmara Municipal é das primeiras edificações do povoado de Barreiro Grande e é bastante representativa da história e arquitetura da origem da cidade.  A primeira forma de ocupação do imóvel teria sido como Bar do Sr. Ananias. Segundo informantes locais, no local aconteceriam diversas reuniões políticas importantes para organização do processo de emancipação do Barreiro Grande. Após a emancipação, segundo o Sr. Pedro Falcão, teria sido instalada ali a Câmara Municipal que permanecera no local até 1967.

Já a Primeira Delegacia de Barreiro Grande teria sido construída por volta de 1960 e alugada na segunda metade da década de 1960 para o governo estabelecer ali a primeira delegacia do Barreiro Grande. Vale dizer que, na realidade, a primeira delegacia do município era localizada no acampamento da Cemig, mas que com a deflagração do Golpe Militar e retomada o projeto de desativação do acampamento, a retirada da delegacia seria uma das primeiras evidências que os serviços oficiais se centralizariam no antigo Barreiro Grande nos anos seguintes.

No inventário, buscamos identificar alguns dos antigos comércios que foram fundantes da cidade, destacando-se entre eles o tradicional  Bar e Pensão São Jorge, um dos imóveis que acompanha a trajetória de formação do centro urbano de Três Marias desde a década de 1950. Preservando boa parte de suas características originais, a Pensão São Jorge foi criada pelo senhor Tertuliano Pedro Santana, que chegou a Três Marias na segunda metade da década de 1950 para trabalhar na construção da barragem do rio São Francisco. Em pouco tempo, seu Tertuliano teria abandonado os trabalhos da barragem e passou a dedicar-se ao comércio ambulante, vendendo frutas, salgados e doces no antigo povoado de Barreiro Grande. Com a intensa movimentação de pessoas na época, seu Tertuliano conseguiu ajuntar dinheiro e passou a investir em imóveis. Em 1960, seu Tertuliano adquiriu do senhor Jorge Borges da Silva um imóvel constituído de quatro cômodos sendo um deles um comércio. Este comércio continuou a funcionar ao longo de toda a década de 1960, se tornando também pousada para viajantes que, inicialmente, instalavam-se em redes suspensas dentro do próprio comércio. Um importante incentivo para o crescimento e consolidação do Bar e Pensão São Jorge foi que o ponto de ônibus da viação Princesa do Agreste, que trazia pessoas do Nordeste para trabalhar em Brasília, era muito próximo deste comércio. Aos poucos, o proprietário foi ampliando seu negócio e construindo quartos nos fundos da edificação. Por volta de 1965, a Pensão São Jorge estava parcialmente formada. É importante ressaltar que a Pensão São Jorge é uma das poucas edificações que preserva as principais características da sua fachada original por mais de quatro décadas e é reconhecido como uma importante referência histórica por diversos moradores. 

Outra edificação que tive uso comercial destacado na história local foi o Comércio do senhor Zú inventariado como “Loja de costuras e loja Rose Cosméticos”.

As outras edificações que compõe o grupo tiveram origem de uso prioritariamente residencial. Sete delas se encontram no bairro central e mostram tendências arquitetônicas diferentes do final da década de 1950 e dos anos 1960 e 1970, tais como o uso de platibandas recortadas, o uso de diferentes técnicas construtivas e de volumes arquitetônicos em construções que, de modo geral, não eram planejadas através da elaboração de um projeto técnico. Vale destacar que, entre todas, somente o imóvel designado como “Salão Ideal” fora construída seguindo um projeto arquitetônico prévio, sendo ela pioneira na cidade neste quesito.

Outras duas edificações representam de maneira breve parte da expansão urbana para além da área central de Três Marias. A mais antiga delas é a primeira residência do Bairro Joaquim de Lima, que também foi moradia do senhor Joaquim Antônio  de Lima  e de sua família. Durante a realização do inventário, foi identificado que a história desta edificação nos permite compreender diversos aspectos da formação da sede urbana de Três Marias, sobretudo do bairro Joaquim Lima.

Isso porque a família do sr. Joaquim de Lima é natural de Corinto veio para a região da atual Três Marias em 10 de setembro de 1950. Compraram uma fazenda denominada na época Pontal do Borrachudo com uma área aproximada de 710 hectares localizada na margem do rio São Francisco da barra do Córrego Barreiro Grande até a barra do Córrego do Grotão. A sede da fazenda era na época no local denominado Buritizinho.

 No ano de 1956, o Sr. Joaquim Antônio de Lima resolveu fazer um loteamento no Buritizinho, chegando esse loteamento a ter comércio e algumas residências. A instalação de um galpão para armazenamento de explosivos próximo ao nascente bairro do Buritizinho gerou a desapropriação de todos os moradores da localidade.

Estas seriam as primeiras desapropriações realizadas para execução da obra. Após a desapropriação, o Sr. Joaquim de Lima mudou-se para a edificação inventariada e resolveu investir no mercado imobiliário, loteando a localidade e criando o bairro Joaquim de Lima.

A última edificação que compõe este grupo foi designada no inventário como “Residência da Dona Cecília” e marca um aspecto importante da história urbana de Três Marias por representar as consequências do processo de demolição da Vila Satélite, evento que mobilizou a formação de novos bairros e ocupações no entorno da região central da antiga Barreiro Grande.

Levantada durante as pesquisas do inventário, a Dona Cecília Alves Costa mudou para o localidade na segunda metade da década de 1950, acompanhando seu esposo que trabalharia na barragem e depois na Companhia Mineira de Metais/CMM.

Por volta de 1960, toda a família mudou-se para a Vila Satélite vivendo nesta localidade aproximadamente por dez anos. Entre os anos de 1970 e 1971, com a destruição da Vila Satélite, sua família esteve entre as famílias que reivindicava uma moradia, sendo transferida pouco tempo depois para o recém-criado bairro Ermírio de Moraes, local onde mora desde então.

Este bairro foi projetado pela CMM e todas as edificações eram semelhantes, compostas por 03 (três) cômodos. As casas eram destinadas às famílias de empregados desalojadas pela destruição da Satélite. Segundo Dona Cecília a empresa ergueu apenas a estrutura da casa e cabia a cada morador terminar os acabamentos. No entanto, a residência de Dona Cecília, apesar de já possuir os alicerces para ampliação da residência, foi a única do bairro Ermírio de Moraes que preservou sua volumetria original e aspectos originais até a época do inventário. Neste sentido, a edificação apresenta traços fundamentais da arquitetura residencial urbana de Três Marias, que poderiam ser compreendidos como um modelo que evoluiria difundindo-se por toda cidade.
















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